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eixos temáticos
Eixo 1_CuidadoPolítica
Eixo2_CuidadoPrática
Eixo3_CuidadoFormação

Três ângulos de abordagem da temática estruturam o Seminário, sempre buscando explorar relações, interfaces, conflitos, territorialidades, experiências, movimentos, tradições que vinculem cidades e cuidado:

1) cuidado como política;

2) cuidado como prática;

3) cuidado como formação.

Eixo 1 – Cuidado como política

Política, seguindo Arendt, baseia-se na pluralidade de homens e mulheres, no convívio de diferentes, emergindo do entre que os separa e os une. Enquanto arena pública conflitiva e expressa como democracia, a política deve responder aos interesses de cidadãs e cidadãos configurados em espaço de plena liberdade, visando à justiça e ao bem comum. A cidade integra ativamente esse espaço, sendo dele produtor e derivado, através de múltiplos agentes e dimensões.

O cuidado como política reproblematiza essas questões, trazendo para o centro do debate a questão ética da responsabilidade sobre nós e sobre o mundo, bem como a de nosso engajamento no cultivo da vida. Distancia-se assim da mera abstração, indissociável que é das práticas societárias, essencialmente relacionais.

Ou seja, cuidado como “uma atividade da espécie que inclui tudo o que fazemos para manter, continuar e reparar nosso ‘mundo’, para que possamos nele viver o melhor possível. O que inclui nossos corpos, nós mesmos e nosso ambiente, entrelaçados em uma rede complexa que sustenta a vida” (Tronto, 2010, 160, tradução livre). De certa forma, aproxima-se da filosofia Ubuntu, fundada no coletivo e no relacional: “eu sou porque nós somos”. Assim, tanto no âmbito privado quanto na esfera pública e entre eles, o cuidado enquanto política requer que sejam reconhecidas suas dimensões constitutivas, seja em termos de propósitos, de formas de exercício do poder ou ainda de particularismos e pluralidades que o subjazem. Podem, portanto, ser ainda ativadas dimensões ontológicas e epistêmicas, tradições e saberes, afetos e modos de sentir, pensar e existir. O que remete à reflexão sobre relações possíveis entre política baseada em cuidados, política baseada em direitos e suas relações com movimentos contra-hegemônicos e insurgentes.

Fazendo convergir essas possibilidades reflexivas com as cidades e a vida que nelas floresce, o presente eixo quer enfatizar três dimensões:

  1. o cuidado como exercício radical da crítica e da ação frente aos diversos processos de opressão, de extermínio e de negligência, abandono ou omissão, configurando propriamente uma necropolítica em ato;

  2. o cuidado como ética e responsabilidade, que se interroga sobre os modos como esses princípios têm sido formulados e incorporados na política envolvendo as cidades;

  3. o cuidado explicitado como política pública concebida e implementada para as cidades em seus diversos campos de ação, explicitando suas dimensões, modos operativos e variações, bem como suas ambivalências e contradições.

 

Eixo 2 – Cuidado como prática

Toma-se aqui o cuidado como um amplo campo de ações, atitudes e práticas envolvendo tanto a dimensão instintiva do afeto que tende a naturalizá-lo, quanto o processo de reprodução social fundado nos limites da condição humana de dependência do outro. Configura, portanto, substrato da vida e do sentido da/na cidade.

Enquanto prática, uma primeira abordagem se refere ao trabalho de cuidado, compreendido como uma construção social e/ou institucional e ressignificado a partir das noções de direito e justiça social. Este trabalho é singular sob vários aspectos. Muda no tempo, seguindo trilhas e ritmos peculiares, como os da crescente mercantilização da vida urbana e, em especial, dos serviços associados ao cuidado; como os do desenvolvimento das políticas públicas voltadas ao cuidado requerido pelas demandas oriundas das transformações demográficas, sociais, urbanas e culturais; e como os da proliferação de toda sorte de movimentos associativos e comunitários em resposta às necessidades impostas pelas desigualdades sociais e as mazelas dos mais vulneráveis. Varia no espaço, como resultado e, simultaneamente, como formatação de diferentes realidades e maturações da dinâmica do cuidado. Subentende a provisão do cuidado repartida entre o Estado, as comunidades, as organizações voluntárias, o mercado e a fa­mília, divisão esta que varia conforme os diversos campos de trabalho de cuidado (o trabalho doméstico, o cuidado de crianças ou de pessoas dependentes - idosos e deficientes - dentre outros grupos vulneráveis) e com a natureza do trabalho prestado (remunerado, solidário, institucional, doméstico). Também se constitui como um fenômeno complexo, ao articular múltiplas dimensões e interseções (questões de gênero, raça e classe), e ao supor controvérsias e paradoxos (reconhecimento profissional e lógica mercantil; cuidado como solidariedade e como política pública).

Uma outra linha de reflexão fundamental ressalta as experiências e as proposições que conseguem identificar práticas cotidianas voltadas ao resgate dos sentidos das diversas camadas do cuidado comunitário e à disputa das suas autonomias e institucionalidades no urbano. Interroga ainda, buscando superá-las, barreiras estruturais cristalizadoras de relações de poder, capazes de relegar a escala laboral do cuidado às mulheres, aos subalternos, aos colonizados... E que ignoram as diversas camadas do cuidado na estruturação dos territórios, da economia, das relações interpessoais e coletivas, das escalas locais e transnacionais, da ética, da moral, da responsabilidade e da tessitura de novas utopias.

Trata-se, portanto, de práticas de cuidado de natureza imediatamente política, revigoradas num mundo em crise, constituintes de redes de cuidado que respondem às demandas de organização comunitária frente à ausência estatal, sem deixar de reivindicar sua presença.

O diálogo com práticas e agenciamentos que desvelem camadas da negação, presença ou ressignificação do cuidado enquanto labor pode ser buscado:

  1. no processo de construção social do trabalho do cuidado, seus impactos sobre o cotidiano e sua configuração urbana;

  2. ​na constituição de identidades coletivas, na construção da solidariedade e na reivindicação de direitos, assim como na configuração das práticas populares que atravessam o cotidiano, a cultura e a religiosidade;

  3. nas utopias experimentais e horizontes de possíveis.

 

Eixo 3 – Cuidado como formação

A cidade é o lugar da coexistência da diferença. É, portanto, onde a vida pública e coletiva se realiza na co-presença, demandando códigos, normativas e modos de partilhá-la. É extraordinário e desafiador pensá-la enquanto lócus de aprendizagem entre diferentes e as relações que nela se constroem nessa perspectiva, sobretudo considerando as assimétricas relações de força e poder que informam nossas estruturas socioculturais. Uma formação em urbanismo, que intente não reproduzir práticas epistemicidas, que preze pelo não apagamento ou subjugamento de experiências do fazer cidade, pode ter no cuidado uma importante chave para sua realização. Para tanto, considera-se politicamente importante a criação de pactos de respeitabilidade e gestos direcionados à expansão de fronteiras de todas as formas. Cultivar práticas de cuidado como modo de aprendizagem entre diferentes, sobre a cidade e nela imersos, aponta para complexidades que extrapolam binarismos como nós-eles, formal-informal, erudição-popular, local-global, ciência-intuição, racionalidade-sensibilidade.

É necessário também o reconhecimento das estruturas de poder sobre as quais se assentam os espaços de formação das instituições de ensino e a recorrência de práticas que reproduzem violências coloniais. Imaginar caminhos solidários, ancorados em práticas de emancipação e liberdade envolve reconhecer a amplitude das dimensões que envolvem a produção de conhecimento. Cultivo e cuidado são gestos importantes na construção de alianças para experiências formativas plurais, fortalecimento de vínculos, superação de conflitos e tessitura de teias de esperançar, que perpassam projetos de futuro, suas projeções e articulações coletivas. 

Três ângulos de abordagem dessa abordagem temática estão vinculados ao presente eixo:

  1. políticas do cuidado e territórios de aprendizagem;

  2. práticas de cuidado na formação em urbanismo;

  3. cultivo de relações, alianças e parcerias em experiências de aprendizagem e formação.

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